Norman Geisler:o livre arbítrio
O livre arbítrio – Norman Geisler
O livre arbítrio – Norman Geisler
As ideias sobre a natureza do livre
arbítrio humano dividem-se em três categorias: determinismo,
indeterminismo e autodeterminismo. O determinista leva em conta as ações
causadas por outro, o indeterminista as ações não causadas e o
autodeterminista as ações autocausadas.
Determinismo.
Há dois tipos básicos de determinismo: naturalista e teísta. O
determinista naturalista é mais prontamente associado ao psicólogo
comportamental B. F. SKINNER. Skinner acreditava que todo comportamento
humano é determinado por fatores genéticos e comportamentais. Os seres
humanos só agem conforme sua programação.
Todos os que aceitam as formas rígidas da
teologia calvinista acreditam em algum nível de determinismo teísta.
Jonathan EDWARDS relacionava todas as ações a Deus como Primeira Causa.
“Livre arbítrio” para Edwards é fazer o que se quer, e Deus é o Autor
dos desejos do coração. Deus é soberano, está no controle de tudo e, em
última análise, é a causa de tudo. A humanidade pecadora está cativa às
suas inclinações, então pode fazer tudo o que quiser, mas o que quiser
estará sempre sob o controle de seu coração corrupto e mundano. A graça
de Deus controla ações como Deus controla desejos e pensamentos, bem
como ações correspondentes.
Resposta ao determinismo. Os
indeterministas respondem que a ação autocausada não é impossível e que
não é necessário atribuir todas as ações à Primeira Causa (Deus).
Algumas ações podem ser causadas por seres humanos aos quais Deus deu
liberdade moral. O livre arbítrio não é, como Edwards afirma, fazer o
que deseja (com Deus dando os desejos). É fazer o que decide,
o que nem sempre é a mesma coisa. Não é necessário rejeitar o controle
soberano de Deus para negar o determinismo. Deus pode controlar pela
onisciência tanto quanto pelo poder causal.
Duas formas de determinismo podem ser diferenciadas: rígida e moderada. O determinista rígido
acredita que todas as ações são causadas por Deus, que Deus é a única
causa eficiente. O determinista moderado acredita que Deus como Causa
Primária é compatível com o livre arbítrio humano como Causa Secundária.
Indeterminismo.
Segundo o indeterminista, poucas ações humanas (se de fato alguma é)
são causadas. Eventos e ações são contingentes e espontâneos. Charles
Pierce e William JAMES eram indeterministas.
Argumentos a favor do indeterminismo.
Os argumentos a favor do indeterminismo seguem a natureza das ações
livres. Já que estas não seguem nenhum padrão determinado, conclui-se
que são indeterminadas. Alguns indeterministas contemporâneos recorrem
ao princípio de indeterminação de Werner Heisenberg para apoiar sua
posição. Segundo esse princípio, eventos no âmbito subatômico (como a
trajetória específica de determinada partícula) são completamente
imprevisíveis.
Conforme o argumento da imprevisibilidade
das ações livres, uma ação deve ser previsível para ser determinada.
Mas ações livres não são previsíveis. Logo, são indeterminadas.
Crítica ao indeterminismo. Todas
as formas de indeterminismo naufragam no princípio da causalidade, que
afirma que todos os eventos têm causa. Mas o indeterminismo afirma que
escolhas livres são eventos não causados.
O indeterminismo torna o mundo irracional
e a ciência impossível. É contrário à razão afirmar que as coisas
acontecem aleatoriamente, sem uma causa. Logo, a indeterminação é
reduzida ao irracionalismo. As ciências de operação e das origens
dependem do princípio da causalidade. Só porque uma ação livre não é
causada por outra não significa que é não causada. Poderia ser
autocausada.
O uso do princípio de Heisenberg é mal aplicado, já que não lida com a causalidade de um evento, mas com a imprevibilidade.
O indeterminismo rouba a responsabilidade
moral dos seres humanos, já que não são a causa dessas ações. Se não
são, por que deveriam ser culpados por ações malignas? O indeterminismo,
pelo menos na escala cósmica, é inaceitável do ponto de vista bíblico,
já que Deus está relacionado causalmente ao mundo como Criador (Gn 1) e
Sustentador de todas as coisas (Cl 1.15,16).
Autodeterminismo. De acordo com
essa teoria, as ações morais de uma pessoa não são causadas por outro
nem não causadas, mas são causadas pela própria pessoa. É importante
saber desde o início exatamente o que significa autodeterminismo ou
livre arbítrio. Negativamente, significa que a ação moral não é não
causada nem é causada por outro. Não é nem indeterminada nem determinada
por outro. Positivamente, é moralmente autodeterminada, uma ação
livremente escolhida, sem compulsão, em que seria possível fazer o
contrário. Vários argumentos apoiam essa posição.
Argumentos a favor do autodeterminismo.
Ou as ações morais são não causadas, ou são causadas por outro, ou são
causadas pela própria pessoa. Mas nenhuma ação pode ser desprovida de
causa, já que isso viola o princípio racional fundamental segundo o qual
todo evento tem uma causa. E as ações de uma pessoa não podem ser
causadas por outros, pois nesse caso não seriam ações pessoais.
Além disso, se as ações da pessoa são causadas por outro, como
responsabilizá-la por elas? Tanto Agostinho (em Do livre arbítrio e Da
graça e do livre arbítrio) quanto Tomás de Aquino eram
autodeterministas, e também o são os calvinistas moderados e arminianos
contemporâneos.
A negação de que algumas ações podem ser
livres é contraditória. O determinista completo insiste em que tanto
deterministas quanto indeterministas estão determinados a acreditar no
que acreditam. Mas os deterministas acreditam que os autodeterministas
estão errados e devem mudar sua posição. Mas “deve mudar” implica
liberdade para mudar, o que é contrário ao determinismo. Se Deus é a
causa de todas as ações humanas, então os seres humanos não são
moralmente responsáveis. E não faz sentido louvar os seres humanos por
fazerem o bem nem culpá-los por fazerem o mal.
Uma dimensão dessa controvérsia está
relacionada com o conceito de “eu”. O autodeterminista acredita que haja
um “eu” (sujeito) que é mais que o objeto. Isto é, minha subjetividade
transcende minha objetividade. Não posso colocar tudo o que sou sob a
lente de um microscópio para analisar, como um objeto. Eu sou mais que
minha objetividade. Esse “eu” que transcende a objetificação é livre. O
cientista que tenta estudar o eu sempre transcende a experiência. O
cientista está sempre do lado de fora olhando para dentro. Na verdade,
“eu” sou livre para “me” rejeitar. Isso não é determinado pela
objetividade, nem está sujeito a ficar preso à analise científica. Como
tal, o “eu” é livre.
Objeções ao autodeterminismo. O livre arbítrio elimina a soberania.
Se os seres humanos são livres, estão fora da soberania de Deus? Ou
Deus determina tudo, ou não é soberano. E se ele determina tudo, então
não há ações autodeterminadas.
É suficiente observar que Deus
soberanamente delegou o livre arbítrio a algumas de suas criaturas. Não
havia necessidade de fazê-lo. Então o livre arbítrio é um poder
soberanamente dado para fazer escolhas morais. Só a liberdade absoluta
seria contrária à soberania absoluta de Deus. Mas a liberdade humana é
uma liberdade limitada. Os seres humanos não estão livres para se tornar
Deus. Um ser contingente não pode tornar-se um Ser Necessário. Pois um
Ser Necessário não pode ser criado. Deve ser sempre o que é.
O livre arbítrio é contrário à graça.
Alega-se que os as ações livres e boas vêm da graça de Deus ou de nossa
iniciativa. Mas no caso da última, elas não são resultado da graça de
Deus (Ef 2.8-9). Todavia, essa não é uma conclusão lógica. O livre
arbítrio é um dom gracioso. Além disso, a graça especial não é imposta
coercivamente à pessoa. A graça, pelo contrário, age persuasivamente. A
posição rígida determinista confunde a natureza da fé. A capacidade da
pessoa receber o dom gracioso da salvação de Deus não é a mesma coisa
que trabalhar por ele. Pensar assim é dar crédito ao receptor do dom, e
não ao Doador.
A ação autocausada é logicamente impossível.
Alega-se que o autodeterminismo significa causar a si mesmo, o que é
impossível. Uma pessoa não pode ser anterior a si mesma, que é a
implicação da ação autocausada. Essa objeção interpreta mal o
determinismo, que não significa que a pessoa causa a si mesma, mas sim causa o acontecimento de outra coisa. Uma ação autodeterminada é determinada pela própria pessoa, não por outra.
O autodeterminismo é contrário à causalidade.
Se todas as ações precisam de causa, da mesma forma acontece com as
ações da vontade, que não são causadas pela pessoa, mas por outra coisa.
Se tudo precisa de uma causa, as pessoas que executam as ações também
precisam.
Não há violação do princípio da
causalidade real no exercício das ações livres. O princípio não afirma
que todas as coisas (seres) precisam de uma causa. Coisas finitas
precisam de uma causa. Deus é não causado. A pessoa que realiza as ações
livres é causada por Deus. O poder da liberdade é causado por Deus, mas o exercício
da liberdade é causado pela pessoa. O eu é a primeira causa das ações
pessoais. O princípio da causalidade não é violado pelo fato de todo ser
finito e toda ação ter uma causa.
O autodeterminismo é contrário à predestinação.
Outros alegam que o autodeterminismo é contrário à predestinação de
Deus. Mas o autodeterminismo responde que Deus pode predeterminar de
várias maneiras. Pode determinar 1) contrariamente ao livre arbítrio
(forçando a pessoa a fazer o que ela não escolhe fazer); 2) baseado nas
livres escolhas já feitas (esperando para ver o que a pessoa vai fazer);
3) sabendo de modo onisciente o que a pessoa fará “de acordo com pré
conhecimento de Deus Pai” (1Pe 1.2). “Pois aqueles que de antemão
conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu
Filho” (Rm 8.29). Ou a posição 2 ou a 3 é coerente com o
autodeterminismo. Ambas insistem que Deus pode determinar o futuro pelo
livre arbítrio, já que ele sabe oniscientemente com certeza como as pessoas agirão em liberdade. Então, o futuro é determinado do ponto de vista do conhecimento infalível de Deus, mas livre do ponto de vista da escolha humana.
Ligado ao argumento do determinismo
rígido está o fato de que, apesar de Adão ter livre arbítrio (Rm 5.12),
os seres humanos pecadores estão escravizados pelo pecado e não estão
livres para atender a Deus. Mas essa posição é contrária ao chamado
constante de Deus a que os homens se arrependam (Lc 13.3; At 2.38) e
creiam (p.ex., Jo 3.16; 3.36; At 16.31), e às afirmações diretas de que
até os incrédulos têm habilidade de reagir à graça de Deus (Mt 23.37; Jo
7.17; Rm 7.18; 1Co 9.17; Fm 14; 1Pe 5.2).
Esse argumento prossegue afirmando que,
se os humanos têm capacidade de atender, então a salvação não é pela
graça (Ef 2.8,9), mas pelo esforço humano. No entanto, isso é um engano
com relação à natureza da fé. A habilidade de uma pessoa receber o dom gracioso da salvação de Deus não é o mesmo que trabalhar por ele. Pensar assim é dar crédito a quem recebe o dom, e não ao Doador, que o dá graciosamente.
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